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MPF e AGU pedem prioridade no julgamento de ação que defende imprescritibilidade do crime de trabalho escravo

MPF e AGU pedem prioridade no julgamento de ação que defende imprescritibilidade do crime de trabalho escravo

MPF e AGU pedem prioridade no julgamento de ação que defende imprescritibilidade do crime de trabalho escravo

Em uma petição conjunta, o Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) requereram prioridade no julgamento de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 1053), proposta em abril pela Procuradoria-Geral da República, que pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) o reconhecimento da imprescritibilidade do crime de trabalho análogo à escravidão, previsto no artigo 149 do Código Penal. Protocolada nesta quinta-feira (26), a petição dirigida ao relator do processo, o ministro Kassio Nunes Marques, ressalta o encerramento da instrução processual e a importância do tema para a devida observância das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.

Além de reiterar a necessidade de acolhimento integral dos pedidos, a manifestação ressalta que “a relevância e a repercussão social da matéria propiciam a convergência entre as duas instituições signatárias [MPF e AGU], que se conjugam (...) para apontar a importância da deliberação definitiva do Supremo Tribunal Federal, visando à erradicação do trabalho escravo contemporâneo em nosso país”. As instituições ainda pontuam que o pedido veiculado na ação encontra amparo na jurisprudência do STF, na disciplina do texto constitucional e nas obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro. A petição é assinada pela procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, e pelo advogado-geral da União, Jorge Messias.

A ação – Proposta em abril pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras, com a colaboração do Ministério Público do Trabalho (MPT), a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) defende a imprescritibilidade do crime de trabalho análogo à escravidão, previsto no artigo 149 do Código Penal. Na ação, o MPF também requer a concessão de liminar para que, até o julgamento de mérito do processo, juízes e tribunais se abstenham de declarar a prescrição desse tipo de ilícito.

O trabalho escravo contemporâneo continua sendo uma chaga na realidade social brasileira. Somente no ano passado, foram resgatados 2.575 trabalhadores em situação análoga à escravidão no país. Em 20023, o número foi de 918, apenas entre janeiro e 20 de março, o que configura aumento recorde de 124% em relação ao mesmo período de 2022. Para o MPF, o fato de ainda serem frequentes decisões judiciais que estabelecem a prescrição desses delitos – entendimento incompatível com as previsões constitucionais e internacionais – compromete diretamente o combate a essa prática, estimula a sensação de impunidade e reduz a proteção das vítimas.

O MPF sustenta que a vedação ao trabalho escravo está inserida em um regime amplo de tutela da liberdade e da dignidade humana, que deriva não somente dos preceitos constitucionais, mas também das normas e decisões de cortes internacionais. Esse bloco normativo – Constituição e tratados internacionais – impõe ao poder público os deveres de proteger adequadamente os bens jurídicos constitucionais e de processar e punir quem pratica o crime.

Na perspectiva constitucional, a fixação de um limite temporal para a punição pelo Estado a crimes dessa natureza representa violação aos preceitos fundamentais da dignidade humana, do valor social do trabalho, do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre e solidária e do princípio internacional da prevalência dos direitos humanos. Também viola os direitos à liberdade e à integridade física do trabalhador, a proteção social do trabalho, a expropriação por práticas análogas à escravidão e a imprescritibilidade do crime de racismo.

Sob o aspecto normativo internacional, a proibição da escravidão contemporânea é norma imperativa do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que exige dos Estados o dever de impedir, de forma absoluta, a concretização desse tipo de violação. Em diversas ocasiões, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu ser inadmissível a incidência da prescrição na investigação e eventual punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos.

A necessidade de punir exemplarmente a escravidão ainda é medida de reparação histórica, sobretudo, quando, mesmo 134 anos após a abolição formal da escravização de pessoas no país, a realidade comprova a persistência de formas de escravidão contemporâneas, a atingir setores mais vulneráveis por fatores históricos, sociais, econômicos, migratórios, étnicos, raciais e de gênero.

Crime imprescritível – A prescrição é a limitação temporal para o exercício da persecução penal pelo Estado. Trata-se de garantia histórica do indivíduo em relação ao poder investigatório, persecutório e executório do Estado. No entanto, não é absoluta. A própria Constituição excetua crimes da incidência das normas prescricionais, a exemplo do crime de racismo, classificado como inafiançável e imprescritível.

O MPF entende que tal previsão constitucional – quanto à imprescritibilidade do crime de racismo – não só não impede, como também se harmoniza com o reconhecimento pelo Supremo dessa outra hipótese de imprescritibilidade. “A interpretação dos comandos explícitos e implícitos de criminalização constantes do texto constitucional de 1988 (...), centrado na dignidade e liberdade humanas, levam à conclusão no sentido da não recepção dos artigos do Código Penal (artigos 107, IV, 109, 110, 111 e 112 do Decreto-Lei 2.848/1940) no que preveem prescrição ao crime previsto no artigo 149 do Código Penal”, argumenta.

Caso Fazenda Brasil Verde – A proibição da escravidão também se encontra documentada na sentença da Corte Interamericana que puniu o Estado brasileiro no caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Na decisão, a Corte declarou que a prescrição de crimes como os de escravidão contemporânea “é incompatível com a obrigação do Estado brasileiro de adaptar sua normativa interna de acordo com os padrões internacionais”, ressaltando que o instituto da prescrição violou o artigo 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Corte entendeu que a perda do direito de punir do Estado, em virtude do decurso do tempo, não pode ser invocada diante do delito de escravidão e suas formas análogas, em razão do seu caráter de delito de Direito Internacional.

Para o MPF, o Brasil permanece descumprindo o 11º ponto resolutivo da sentença, relativo justamente à não aplicação da prescrição aos crimes internacionais de trabalho escravo. “Além disso, em sua dimensão coletiva, [a imprescritibilidade] inclui o direito da sociedade à construção da memória, história e identidades coletivas, possibilitando-se que as pessoas conheçam os acontecimentos de sua localidade e a realidade de determinado fato criminoso em suas consequências jurídicas e sociais”, complementa.

ADPF 1053.

Íntegra da manifestação do MPF e AGU.

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Fonte: www.mpf.mp.br